sábado, 14 de janeiro de 2012

Da Literatura comprada com parada.

Neste ano que se aprochega, trago algumas novidades. Aos poucos vou lançando tudo aqui. De momento, prefiro me ater a uma: em março, inicio meu mestrado em Literatura Comparada. Boa parte dos meus leitores sabem muito bem que isso significa que serei mestre em relacionar tudo com outras coisas. Ou tudo com coisas nenhumas. É complexo. Acho que uma historinha pode contar melhor o que é estudar Literatura Comparada, ou até mesmo definir como é um estudioso nessa área. Peço paciência ao leitor porque é bem instrutivo e vai fazer aquele que caiu aqui porque pesquisou o nome do João Sérgio Guimarães, ou de uma piadinha sobre o Lula, entender que diabos é Literatura Comparada e o perfil das pessoas que se envolvem na área. Leia e entenda.
Como disse acima, nada melhor pra explicar algo sobre Literatura do que uma historinha. Então, desfrute.

No tocadiscos, um LP d'os Engenheiros do Havaí toca “Anoiteceu em Porto Alegre” e o pai escuta com ar saudoso e nostálgico. Quando o filho, que está junto, escuta a palavra “walkman”, pergunta:
- Pai, o que é ualquimén?
- É o que as americanas dizem quando me veem: “uau, que man!” - brinca o pai.
Se a mãe, que está ao lado, é de qualquer área que não a da Literatura Comparada, explicará que walkman é um aparelho de som com toca-fitas, antepassado dos ipods e dos celulares com fone de ouvido, onde se poderia escutar rádio ou sons gravados nas fitas K7, quando ela ficaria brava pelo filho ter rido. Poderia até a mãe mostrar algum exemplo, pesquisado no google, caso ela conhecesse tal ferramenta, ou o próprio garoto depois tirar algumas dúvidas na wikipedia. Mas se ela fosse crítica de Literatura Comparada, a provável explicação seria essa:
- É assim, filho: o teu pai, segundo o pensamento da antropologia, está buscanto traços identitários e demonstrando a própria idade através do humor característico dos anos 90. Sendo assim, o walkman é, segundo a visão da imagologia, um fator simbólico de fixação temporal diacrônico, onde o “eu” do seu pai é enraizado no período dos anos 90, quando se escutava rock dessalinizado ou o samba mais hiperglicêmico, ou ainda as músicas que as grandes gravadoras pagavam as emissoras radiofônicas para executar músicas pré-estabelecidas; enquanto isso, o “outro” dele, que é você, está paradigmaticamente fixado na atualidade, na questão de já quase não haver mais nem os dispositivos acionáveis por comando digital (aqui, a mãe faria um sinal para que o garoto aguardasse para uma explicação ao termo “digital” que, segundo a mãe, seria o defendido pela ciência da anatomia, remetendo ao toque do dedo), além de que agora quem paga são os músicos para tocar nos programas de auditório delevisivos ou em canais específicos de música. As diferenças mais sensíveis entre esses dois momentos, filho, seria de que o seu pai precisava ir à casa de algum amigo que tivesse o Long Play (novo sinal, para explicar depois ao filho o que quer dizer o termo, mas sem falar na tradução do inglês, para deixar o filho com alguma dúvida e que instigasse a procurar a resposta do google translator) com a peça musical que lhe interessava ou escutar quando ela fosse ser executada numa estação radiofônica, para então gravá-la em K7 (aqui a mãe explicaria, apressadamente, como uma citação, a diferença entre k7 e cacete, o que renderia alguma risada), ao passo que você, filho, pode fazer download da música, claro, se estiver em algum país que isso é permitido, ou copiar via bluetooth de algum amigo.
Ao final da fala, a mãe retoma os sinais feitos para explicar os termos “digital” e “Long Play” e depois dar uma lista de livros teóricos de onde ela teria tirado cada explicação e os pensamentos, incluindo com as datas, para depois voltar à leitura de uma releitura desconstrutiva de uma tradução do Don Quixote para um filme do Leste Europeu.
No dia seguinte, o filho estaria escutando o disco do pai com um amigo e, quando a palavra “walkman” aparece novamente, o filho repete a explicação que ouviu da mãe. Mas esta repreende:
- Na verdade, filho, Genette explica de uma outra maneira... assim como Pierre Bourdieu, em suas Trocas simbólicas... somando-se tudo ao fator da conversão da energia sonora em elétrica e depois a conversão contrária e da mecânica em contraposição à nanotecnologia...

Assim, meu caro leitor incauto, é a vida de um pesquisador em Literatura Comparada. Dá pra ver, através dela, o que é estudar tal ciência. Não tem como ser mais claro.